Os primeiros raios do sol entravam pela janela do salão quando Mestre Sheng declarou o término do teste. Kensei já sabia o resultado. Ele tinha se saído muito bem, respondendo cada questão sobre história da China e filosofia budista com calma e desenvoltura. Apesar da certeza da aprovação e da felicidade que a acompanhava, estava esgotado. Passou a noite inteira sendo indagado pelo ancião e tentando manter a mente serena para não ser dominado pelo nervosismo e agora tudo o que queria era dormir por algumas horas.
Demorou-se por alguns minutos sentado na almofada que lhe foi reservada na noite anterior enquanto o mestre deixava o salão e, por fim, levantou-se decidido a ir para seu quarto o mais rápido possível e cair na cama. Mas, a julgar pelo movimento que encontrou nos corredores quando deixou o local do teste, logo notou que dormir não seria viável.
Os moradores do templo andavam freneticamente para lá e para cá, gritando ordens uns com os outros para apressarem-se ao pátio. Kensei seguiu os monges que corriam pelo templo com curiosidade e preocupação, irritando-se a cada vez que eles insistiam em ignorar suas perguntas. Algo sério estava acontecendo e ninguém o informava. Assim que chegou ao pátio central, onde todos se exercitavam e treinavam, encontrou uma multidão e soube que ali teria suas dúvidas sanadas.
Mestre Sheng já estava no local, com uma expressão preocupada no rosto. Ele alisava sua longa barba enquanto pensava, compenetrado. Parecia que estava prestes a tomar uma decisão difícil, tarefa que a noite em claro sabatinando Kensei tornava mais complicada. Ao lado do Mestre, Jack Punch esperava pela decisão, como todos os outros presentes. Kensei viu que dois monges seguravam um homem inconsciente, vestido de preto da cabeça aos pés. Aproximou-se de Jack e sussurrou:
- O que está acontecendo?
- Capturei um invasor. Ele tentou entrar aqui essa madrugada. - Jack respondia num sussurro quase inaudível.
Kensei olhou para o homem.
- Um ninja? Aqui?
- Não.
- Como você sabe?
- Eu o conheço. Já lutou comigo nos Estados Unidos.
Finalmente o Mestre se pronunciou:
- Levem o invasor para a despensa. Amarrem-no e alimentem-no. Amanhã irei interrogá-lo.
Assim que o invasor foi levado, a multidão começou a se dispersar. Alheio ao movimento em sua volta, Kensei continuou conversando com Jack:
- Explica isso direito.
- Ele se chama Wang. É um chinês que lutou no meu time num torneio patrocinado pelo Balrog, em Las Vegas, ou pelo menos deveria lutar! Desertou e me deixou na mão pra lutar sozinho naquela merda. Sumiu e nunca mais tive notícias dele.
- E foi reencontrá-lo aqui. Que mundo pequeno...
- Mundo pequeno o cacete! Esse filho-da-puta tem muito o que explicar pra mim. Onde fica a despensa?
- Na outra ala, te levo até lá quando ele acordar. E eu também! To morto de sono, vou dormir um pouco e depois a gente vai falar com ele.
Kensei acordou no final da tarde. Jack já o esperava. Andaram juntos, em silêncio, pelos corredores do templo. Por uma janela, Jack observou alguns monges meditando. A dupla passou pelo pátio central e entrou na outra ala, uma construção menor, também escavada na rocha, e Kensei conduziu Jack por alguns lances de escada formada por degraus estreitos. Caminharam por alguns corredores até encontrarem uma porta fechada e vigiada por um monge. Ele falou, em seu idioma natal, assim que viu os dois lutadores:
- < Ninguém pode entrar aqui, a não ser o mestre! >
- Que porra que ele tá falando? - Jack perguntou a Kensei.
- Que não podemos entrar, por ordens do Mestre.
O pugilista cerrou os punhos, mas se manteve imóvel. Sua expressão mudou para um esboço de fúria e ele rosnou por entre os dentes:
- Como assim, "não podemos entrar"!?
- Calma, Jack. Me deixa conversar com ele.
Jack observou Kensei falando com o monge e por duas vezes teve a impressão de que ambos partiriam para as vias de fato. Então Kensei virou-se para ele com um sorriso no rosto, enquanto o monge destrancava a porta:
- Pronto! Nada que o diálogo não resolva.
Assim que entraram viram Wang deitado no chão. Cordas grossas prendiam seus braços e pernas. Uma tigela vazia jazia ao seu lado. Jack agarrou o homem pelo colarinho e o ergueu.
- Acorda, princesa! Acorda e começa a dar com a língua nos dentes!
Wang abriu os olhos.
- O que...? Jack!? O que está fazendo aqui?
- Não interessa o que eu to fazendo aqui. O que interessa é o que você tá fazendo aqui e porque sumiu no torneio de Las Vegas?
- Não pude evitar, me perdoe. Recebi notícias de que minha família e toda a vila onde morava estava em perigo. Larguei tudo imediatamente e voltei pra China.
- Tá. Digamos que eu acredite nisso. Quem atacaria uma vila inteira?
- Milicianos a serviço de um figurão local.
- E porque eles atacariam seus parentes? E mais importante, o que você tá fazendo aqui?
- É um conflito muito antigo, Jack. Eles me me obrigaram a vir aqui em troca da segurança da vila. Eles vão matar a todos se eu falhar!
Jack começou a perder a paciência com as evasivas de Wang e o sacudiu violentamente.
- Porra! - Gritou. - Desembucha logo o que você veio fazer aqui!!!
A expressão de Wang se alternou entre o medo e a vergonha.
A expressão de Wang se alternou entre o medo e a vergonha.
- Eu vim assassinar o Mestre do Templo.